quinta-feira, 24 de maio de 2012

Começando pelo mau feitio (Tinham saudades, hã? Confessem lá...).

No outro dia, já nem sei dizer porquê, veio à conversa a utilização do "tú" e do "usted" em castelhano (vulgo espanhol) e a razão por que nós, os rafeiros (ou guiris) cá do sítio, insistimos nesta marcada diferença quando falamos com quem quer que seja. Quer dizer, eu em castelhano há muito que faço como se faz aqui, demorei muito pouco tempo a aceitar a moda do "Em Roma, sê Romano", mas não posso negar que às vezes ainda me faz um bocadinho de espécie tratar toda a gente por "tu". 
Porque quando eu digo toda a gente, é mesmo TODA a gente. Desde o padeiro, à sogra, ao médico, ao chefe no trabalho, ao miúdo no parque, à empregada de mesa, ao professor da universidade, ao condutor do autocarro. É muito complicado. 

A discussão partia da premissa que tratar as pessoas de forma tão informal pode ajudar à falta de respeito, opinião defendida pela união anglo-lusa. Dizia-se do outro lado da mesa (união pseudo-catalã e andaluza) que, para a maioria dos espanhóis, isto não acontece, que já estão habituados, e que só se trata por "usted" alguns avós, os eruditos, ou aquelas pessoas a quem ainda parece bem este tipo de coisa. Mas são muito poucas, ou é essa ideia que tenho, depois de alguns anos aqui e de tantas vezes me terem ralhado para que "tutee a la gente", visto que a maioria se ofende por achar que lhe estamos a chamar "velhos". Também se disse na mesa que uma coisa não afectava a outra; só não sei até que ponto é que isso é realmente assim, sendo que o nível de formalidade que tenho encontrado até agora tem sido sempre bastante baixo, o que às vezes tem piada, mas que normalmente não me faz rir nem um bocadinho.

A maioria da malta jovem (ou mesmo adulta) acha que é uma forma retrograda de tratar as pessoas, que não faz sentido, defendendo mesmo alguns que devia deixar de existir a forma de "usted". Até aqui, tudo bem, quero dizer, não me parece bem tirar riqueza a uma língua, mas pronto, a língua é deles, façam o que eles quiserem. O problema (e agora vem o mau feitio) foi quando esta realidade se transportou até Portugal (e Inglaterra, que também estava na discussão e que, for the record, apesar de não ter marcada a diferença na pessoa (you x2), toda a estrutura pode ser marcada como formal ou informal, consoante a situação) e se começou a dizer que nós (sim, Portugalinho e Bifolândia inteiros) éramos retrogrados e antiquados por ainda usar estas coisas. Pior, que em muitos casos (desde um ponto de vista hierárquico) isso era sinal de prepotência e arrogância. Já sem falar que se sugeriu que os "exagerados" pedidos de "com licença", "desculpe" e "por favor" faziam as pessoas menos humanas e mais falsas, porque na sua maioria não sentiam o que estavam a dizer. Oi?

E pergunto, então e se for só um tema cultural

Eu não gosto que uma pessoa que não conheço de lado nenhum me trate por "tu". Não gosto. E também não gosto de entrar numa loja qualquer e tratar por "tu" à empregada da loja só porque tem a minha idade ou é mais nova. Não gosto. Da mesma forma que gosto muito de ao início (ou sempre, se falamos de chefes) tratar as pessoas no campo profissional por "você" (que não se diz a palavra, já sei, estou só a explicar) e toda e qualquer outra pessoa, já seja num cargo superior ou inferior ao meu. Tem a ver com uma distância, tem a ver com confiança (ou falta dela) e sim, tem a ver com respeito. Embora também haja excepções, claro. Tenho pessoas que considero minhas amigas e que continuo a tratar por "você". Da mesma forma que tenho amigas minhas que vão sempre tratar a minha mãe por "você", ou mesmo Dona D., mesmo que já se conheçam há anos e que digam as maiores das parvoíces uma à outra. E porquê? Porque sim, porque houve um momento em que isso ficou estabelecido no Livro das Regras das Amonas e eu gosto que assim seja. É mau? Duvido que seja, é mesmo só como se processa a coisa.

E nada disto tem qualquer problema (ou devia ter), porque a realidade num país é uma e no outro é outra. Quase como a anedota do Bobi. Portanto, aqui em Espanha trato praticamente toda a gente por "tú", seja em castelhano ou em catalão. São as regras de cá. O mais natural é que quando alguém daqui vá a Portugal faça uso das regras que lá existem, isto se vamos ter em atenção que aquilo não é a República das Bananas e que cada um pode fazer o que bem lhe apetecer com a língua de Camões (que podia ser assim, visto que o AO a vai assassinar anyways, mas isso vai ser outro post ainda mais longo). 

Chamem-me tradicional, retrograda, o que vos apetecer. 
Há coisas que acho que nunca deviam mudar. Esta é uma delas.

3 comentários:

Carla |O| disse...

Não te preocupes. Não há nenhum movimento em Portugal para que se comece a tratar toda a gente por tu. Apesar de eu achar que no nosso País há coisas que deveriam mudar nesse aspecto, sobretudo no que à questão dos Senhores Doutores para aqui e Senhores Doutores para além diz respeito. Mas isso é já a minha veia comunista a falar. :)

Carla |O| disse...

Ui... o google acabou de me pedir que provasse que não sou um robot... weird.

Sofia disse...

Sim, tens razão, mas isso já é outra coisa completamente diferente. Quero dizer, vem pelo mesmo, mas tem outra acepção. Uma coisa é o que diz a norma, outra é o que faz o Zé Povinho.
Já me chamaram muitas vezes doutora.. imagina, eu que nem sequer fui à Faculdade de Medicina uma única vez. :P
Contudo, também acho que isso vai mudando com os tempos, com as novas gerações. A roupa nova para ir ao Senhor Doutor ou à Missa de Domingo vai passando já um pouco de moda.. não? (Eu quero mesmo acreditar que sim!)